domingo, 25 de março de 2012

Bolsa-família: dependência impede futuro



Beneficiários não trabalham e vivem na informalidade por medo de perder dinheiro. Solução é capacitar e descobrir futuros empresários

24/03/2012 - 15h01 - Atualizado em 24/03/2012 - 15h01
A Gazeta

    Mikaella Campos
mikaella.campos@redegazeta.com.br

O auxílio mensal do governo é o que mantém o sustento na casa de Ana Lúcia Martins, de 45 anos. Doente e desempregada, ela cuida de uma filha adolescente e de dois netos com o pouco que ganha do Bolsa-Família.

A história dessa mulher é semelhante a de outras 44 mil famílias do Estado, em situação de extrema miséria, ganhando entre R$ 32 a R$ 306 por mês. Eles tê mais uma coisa em comum: criaram uma espécie de dependência ao benefício e não conseguem imaginar a vida sem ele. Por isso, acabam não correndo atrás de uma vida melhor.

Esse ciclo vicioso que causou uma espécie de distorção no programa Bolsa-Família está com os dias contados. O governo federal, em parceria com o Sebrae e os Estados, vai iniciar uma caçada a famílias como a de Ana Lúcia, no intuito de que elas saiam da pobreza sendo seus próprios patrões.

A ideia é criar uma espécie de porta de saída que hoje o Bolsa-Família não tem. Eles vão identificar quem tem o benefício, mas já atua de alguma forma no mercado, na informalidade, vendendo picolé, fazendo salgadinho pra fora, ou costurando, por exemplo. A ideia é levar esse grupo para uma vida melhor, por meio do programa Empreendedor Individual (EI).
foto: Ricardo Medeiros
 ES - Cariacica - Ana Lucia Martins, dona de casa que recebe o auxÃ?lio Bolsa Familia e pretende voltar a trabalhar - Editoria: Economia - Foto: Ricardo Medeiros
Ana Lucia Martins, dona de casa que recebe o auxílio Bolsa Familia e pretende voltar a trabalhar

Melhor opção
Não vai ser fácil. Hoje, muitos trabalhadores atuam em serviços precários, com receio de não serem mais assistidos. Há casos de beneficiários, que devido à baixa qualificação, não conseguem se manter estáveis. Entre estar empregado, ficar sem o Bolsa-Família e ser despedido mais tarde, esse cidadão prefere optar pela dependência do governo.

Na tentativa de mostrar às famílias que elas não precisam ficar apreensivas, o Sebrae vai distribuir cartilhas e enviar agentes a campo para recrutar potenciais empreendedores. "Nossa intenção não é tirar o benefício e sim levar orientação e consultoria gratuita", diz a analista do Sebrae, Germana Cola.

Porta de saída


No Espírito Santo, o governo do Estado vai estabelecer prazo para a emancipação dos beneficiários do Bolsa-Família, que hoje somam 44 mil. Os segurados começam a ser inscritos no Programa Incluir que fornece o Bolsa-Capixaba, um auxílio complementar de R$ 50 por mês.

Além do dinheiro, essas pessoas receberão acompanhamento social, psicológico e vão ser encaminhados para uma capacitação.

O secretário de Assistência Social e Direitos Humanos, Rodrigo Coelho, explica que a família cadastrada no Incluir vai assinar um contrato, que prevê uma porta de saída dos programas sociais em dois anos.

Ana Lúcia é uma das atendidas pelo Bolsa-Capixaba. Hoje, ela se dedica apenas ao trabalho doméstico e aos cuidados da sua filha Ana Ingrid, de 14 anos, e os netos Weverton, de dois anos, e Leonardo, de 11 meses.

Há três anos, a dona de casa atuava como vendedora autônoma, mas deixou sua renda de lado para lutar contra um câncer no cólon do útero.

A situação financeira fica um pouco melhor quando o marido dela, Manoel Vieira Martins, consegue alguns bicos como pedreiro. Mas a maior parte do orçamento é composto pelos Bolsas Família e o Capixaba.

"Eu quero muito voltar a trabalhar, mas não posso perder o Bolsa-Família, pois o dinheiro faz diferença e me ajuda a comprar remédios, alimentos e material escolar. Vou esperar o governo me explicar como posso me tornar empreendedora. Espero ficar boa de saúde", diz.

 Ricardo Medeiros
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O exemplo
Algumas pessoas se formalizaram por conta própria como a costureira Solange Silva Oliveira. Ela deixou o emprego para cuidar de duas filhas pequenas. Quando o marido ficou desempregado, uma forma de manter a casa foi costurar para fora.

Como a procura pelo serviço dela foi aumentando e como alguns clientes passaram a exigir nota fiscal, Solange se inscreveu no EI. "Fiquei com medo de deixar de receber o Bolsa-Família, pois ainda preciso desse dinheiro. Como minha produção é pequena, não consigo ainda sobreviver sem o auxílio do governo. Mas eu sonho agora em fazer minha empresa crescer, porque sei que um dia o Bolsa-Família vai acabar", diz.
foto: Ricardo Medeiros
 ES - Cariacica - Ana Lucia Martins, dona de casa que recebe o auxÃ?lio Bolsa Familia e pretende voltar a trabalhar - Editoria: Economia - Foto: Ricardo Medeiros
“Eu sonho agora em fazer minha empresa crescer, porque sei que um dia o Bolsa-Família vai acabar. Meu objetivo é até contratar uma pessoa, aumentar a produção e me tornar independente”

Solange Silva, Empreendedora e beneficiária do Bolsa-Família

O Espírito Santo tem mais de 144 mil pessoas em situação de pobreza extrema. O governo do Estado vai tentar mudar essa realidade com alguns outros projetos do Programa Incluir.

Até 2014, o governo do Estado quer chegar a 100 mil pessoas inscritas no Empreendedor Individual com a integração dos beneficiários do Bolsa-Família ao programa. Hoje, dos quase 60 mil cadastrados apenas 8% ganha o auxílio.

A Agência de Desenvolvimento em Redes (Aderes) vai mapear os locais onde há mais necessidade de atuação. A intenção é integrar essas famílias ao sistema de cooperativismo, a associações de artesanato e também à economia solidária por meio dos bancos comunitários Terra, Sol e Bem.

Segundo o presidente da Aderes, Pedro Rigo, ao todo, a ação vai levar capacitação e microcrédito com juros barato para quase 137 mil pessoas das áreas urbanas e da zona rural.

análise
Pelo fim do trabalho degradante
É um grande desafio aperfeiçoar os mecanismos de inclusão. Todas as informações que temos trabalho sobre as pessoas em situação de pobreza mostram que a maioria está incluída de forma precária. São trabalhos que não permitem a ascensão social. Essas pessoas vivem de trabalho irregulares, tem renda num dia, mas no outro não, portanto precisam do apoio e do estímulo dos benefícios para sobrevivência e para ter uma condição mais digna de trabalho. Nossa preocupação é inserir essas pessoas numa produção de qualidade e afastá-las de trabalhos degradantes. Com o recurso do Bolsa-Família, elas podem dizer não à exploração. As ações federais e estaduais estão muito alinhadas. Somando esforços, temos condições de impactar.

Tiago Falcão, Secretário Extraordinário para Superação da Extrema Pobreza do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome

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